Tuesday, February 16, 2010

ironia

O relógio marcava 12h39.
Lúcia estava atrasada para uma reunião.
Assinou os últimos papéis, pegou seu casaco,
sua pasta e saiu da sala.

No corredor pensou:
"Acho que engordei uma pouco...
essa saia está justa. Vou ter de correr
mais na academia."

Andou mais alguns metros e saiu do prédio.
O táxi estava já estava esperando.
De repente, sentiu uma dor tão grande no abdomen
que deixou cair sua pasta e o casaco.

Ajoelhou na calçada. Quando viu sua mão apoiada
na calçada, não podia acreditar. Estava três vezes
maior do que o normal. As duas.
Conseguiu ficar de pé e viu suas pernas incharem,
seus braços estouraram a blusa de seda.

Aos poucos ela virou um balão. E foi subindo.
As pessoas a sua volta não percebiam o desespero
daquela moça. Qualquer grito de socorro que tentava
emitir saia como um grunhido.

Achavam que era uma ação de mídia para alguma marca.

Lúcia tornara-se aquilo que fazia.

Thursday, February 11, 2010

Por mais que Gina corresse, a sombra continuava atrás dela.
Estava cansada de gritar e ninguém aparecer.

A cada esquina a esperança de topar com alguém,
seguida da decepção de continuar sozinha, correndo,
zelando por sua vida. Não queria morrer, afinal
era jovem ainda. Queria ver suas filhas casadas.

Também, não poderia entregar o jogo fácil assim
para ele e a família dele. Eles, todos eles, iriam
dançar de felicidade sobre seu túmulo, celebrando
sua morte.

Ela precisava continuar viva para corrigir-los, todos.
Precisava estar viva para ter o reconhecimento de que
durante todos esses anos ela sempre esteve certa,
de que ela era a melhor; e para ve-los pagando
por todo o sofrimento e solidão que passou.

De repente, surge em sua cabeça uma pergunta:
"E se eles não perceberem tudo isso?"

E ela parou de correr.
E a sombra também.

Wednesday, February 10, 2010

Vento

Quando Maria deixou cair a xícara de chá no chão,
se sentiu leve.

Não havia mais a sensação do seu peso sobre suas pernas,
de seus dedos, dos seus braços, do seu calor.

Tudo estava em câmera lenta.
Ela olhou para um lado e para outro.
E viu.

Ao lado de sua cabeça, uma de cada lado,
estavam as pontas de suas asas.
Suaves, alvas e leves.

Rodopiou em torno de si como um cão atrás de seu rabo.
Queria ver, tirar, tocar.

Não entendia como de uma dormencia nos braços,
havia surgido aquilo.

Esticou-se. As asas ficaram maiores.
Tentou bater, voar.

E nunca mais olhou para trás...

Tuesday, February 09, 2010

Ciranda

Quando Paulo olhou para Amanda, ou o que havia sobrado dela,
perdeu as palavras. Não acreditava que alquilo era possível.
Ainda mais com a pessoa que ele amava.

Como entender o fato de que a pessoa com que você passou
os últimos três anos, simplesmente desmonta e se quebra
em pedaços
no chão. Eram inúmeros cacos, espalhados pela cozinha.

Sua cabeça era um turbilhão de pensamentos.

Eu a matei? Fui eu que causei isso? O que vou dizer as pessoas?
Eu recolho os cacos e tento monta-la novamente? Uso bonder?
Será que é alguma brincadeira? Isso é possível?

Ele se ajoelhou no chão e tocou um dos cacos. Era frio. Era real.

Ele nunca mais iria sentir o toque aveludado daquela pele clara,
o cheiro de lavanda do seu perfume, a maciez dos seus cabelos escuros.
Não iria mais encarar aqueles olhos grandes e curiosos pelo mundo,
ou compatilhar o sorriso largo e acolhedor daquela morena.


E agora ele tinha certeza: havia cometido um erro